Translate

29 outubro 2009

Tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento?


Ontem, num estacionamento, formado apenas por vagas devidamente sinalizadas para pessoas portadoras de deficiência física, encontrei me, eu, com uma alma encarnada, por certo, como a maioria de nós, em tarefa árdua neste planetinha, e em sugestiva síndrome de tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Ao chegar ao local, habilitada por minha paraplegia, resultante de um ato de terceiro imprudentemente imperito e negligente, com o meu veículo devidamente catalogado pelo símbolo internacional de acesso afixado, um em cada um dos seis locais por mim estrategicamente escolhidos nas janelas e parabrisa, cumprindo a determinação da lei, até com exagero, para não constranger os que tenham problemas de visão, encontrei as referidas vagas ocupadas por veículos sem qualquer identificação que os habilitasse para tal, como sempre.

Olhei para um segurança e ele me fez sinal para que procurasse outro lugar e, de fato chovia, assim, literalmente, empaquei onde estava, na sincera intenção de esperar até que uma das vagas pudesse ser ocupada por mim, pois não teria condições de parar além.

Nisso um senhor de relativa idade, com um sorriso especial, saiu lá de dentro e me disse, pelo vidro entreaberto, vou tirar o meu carro já e a senhora pode ocupar a vaga, e assim o fez com agilidade moral e física incríveis.

Tratei então de estacionar, agradecida à delicadeza da postura, sem questionamentos maiores até por força dessa mesma delicadeza.


E como abrir a porta com espaço suficiente para colocar a cadeira de rodas, se o veículo ao lado havia estacionado de forma indevida, impensada e obviamente a revelar o desconhecimento da necessidade de um cadeirante, ou, até de alguém sob o uso de muletas, pelo espaço que necessitam para poderem andar com seus sapatos diferentes?

Nisso eis que chega uma bonita senhora, sem qualquer deficiência física. A essas alturas já estava devidamente atrasada para o meu compromisso, mas ainda confiante de que lograria êxito em descer e "rodar".

Olhei fixamente para a motorista e nada! Ela esperava alguém. Continuei olhando e o olhar fala, porque é a alma que através dele se expressa e a minha alma naquele momento falava da limitação ampliada e da tristeza que isso causava. Estava comigo uma amiga que, desde que eu estacionara, já estava com a cadeira a postos, mas sem espaço para entrar com ela até a porta do motorista, onde eu seguia encurralada.

A senhora, dentro de seu veículo, procurava algo, mexia na bolsa e, após tantos minutos, resolveu dirigir-me o olhar e um trejeito sugestivo de sorriso, apontando-me um senhor que havia já há algum tempo ajudado minha amiga a retirar a cadeira de rodas do porta malas do carro. Não tive a menor vontade de retribuir-lhe o que entendi ser aparente sorriso.

Um senhor simpático, com o olhar bondoso, atendeu-lhe o chamado. Quando ele entrou no carro, andando normalmente, sorriu-me, atencioso, e ela disse mostre, mostre, mostre a sua perna para ela ver que você também é deficiente. Ele de maneira educada disse, que é isso? Ela está me olhando desde que eu entrei no carro, disse ela. Eu vou demorar pra sair. E o Senhor pedia, cada vez em tom mais baixo, para que ela parasse.

Não satisfeita e sem perceber que o meu vidro estava entreaberto disse, de dentro do carro . “É uma mal comida”. Não resisti e respondi em tom calmo e alcançável,apenas, aos seus ouvidos, já que, embaixo de garoa, os carros estavam lado a lado. "Não senhora, apenas paraplégica", por entender que não estaria, por certo, a concorrer quanto à expressão de minha feminilidade, pois apenas aguardava para poder utilizar um espaço determinado por lei, para o qual preencho uma condição prevista, apenas isso.

Fiquei sem saber se aquele simpático senhor era ou não portador de alguma deficiência física. Desci do carro assim que o espaço necessário se fez, atendi ao compromisso que me aguardava, e enquanto retornava concluí que não podemos ser, realmente, preconceituosos, menos ainda egoístas, pois se as vagas existentes, por força de lei, são para deficientes, parece-me que estão faltando, apenas, alguns adesivos especiais para identificar os veículos de pessoas, aparentemente, portadoras de tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Ao chegar próximo ao carro, vejo saindo, da mesma vaga outrora ocupada, uma linda jovem, longos cabelos, absolutamente normal fisicamente, destravando a porta de seu carro ali sob ilegal descanso, sem se preocupar com absolutamente nada que não fosse a sua própria pessoa.

Inauguro aqui, pois, por consequente, a campanha para a inclusão social das pessoas assim limitadas, com o pedido de que sejam criativos, os fabricantes, para os adesivos identificadores dessa modalidade especial de anomalia, ora, simbolicamente, por mim, referida por tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Qualquer semelhança com o que se vê no dia a dia, em todos os locais em que se delimitam vagas para portadores de deficiência, não é mera coincidência, conforme se pode constatar também nos vídeos, exibidos no Youtube, com denúncias, ao lado inseridos.

Por que tanto desrespeito?

Criado e postado por
Márcia Vilarinho
28/10/2009

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Tetraplegia
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Moralidade

2 comentários:

  1. Moça!!!
    Que coisa horrível, mas corriqueira em todas as capitais do Brasil.
    Vamos continuar denunciando, alçando a nossa voz!
    Não é por acaso que a temos forte e firme e em bom tom.
    Além disso temos o poder da escrita, tão bem multiplicada pela internet.
    Deficiência não é uma opção pessoal.
    Não é por isso que não mereçamos o respeito e a tutela da lei.
    Onde está a inclusão?
    Tenho pena das pessoas que ostentem paralisia de mente, de alma, de coração...
    Solidarizo-me com vc, amiga!
    Mas, na verdade, temos que preparar o caminho para outros que virão, pois a vida é cíclica.
    Hoje sómos nós, amanhã outros, muitos outros...
    Beijo grande da
    Genaura Tormin

    ResponderExcluir
  2. Se a gente for dar uma licença especial para os que têm deficiência moral, não vai haver vaga para tanta gente.
    Eliane F.C.Lima

    ResponderExcluir

Deixe seu comentario. Ele é muito importante para este blog poder crescer.