Translate

19 setembro 2009

Conversando com Genaura (http://genaura.blogspot.com)




No belíssimo texto expresso corajosa e sinceramente por você, sob o título “Noite de núpcias de uma paraplégica”, identifiquei-me, em muito, com o que você ali descreve, em tamanha força de realidade e emoção.

Na reflexão que ele gerou em mim, você é parâmetro que, finalmente, encontro para poder avaliar as atividades diárias dentro da limitação física, que igualmente se me apresentou como nova forma de sentir e conceber a vida, e, por isso, por primeiro, agradeço a oportunidade de havê-la como companheira de jornada, numa mesma época terrena, ainda que em Estados diferentes, com a possibilidade de trocar experiências, em todos os âmbitos, tão valiosas.

Encontrei, na web, várias reproduções de suas entrevistas, sobre praticamente todos os atos de vida diária, íntima, familiar, social e profissional, relatados com clareza espetacular, própria em pessoas capazes de observar, apreender, modificar, seguir adiante e ainda repartir seu aprendizado, com o forte intuito de dar a conhecer a tantos, em belíssimo exemplo de criatividade, a necessária reversão das adversidades que a vida traz a todos, em diferentes momentos, mais ainda, com toda a sua sensibilidade e capacidade de amor, entre outras.

Num país em que falar de sexo, já de per si, representa quebra de tabu dos mais arraigados, você demonstra coragem e garra, ao falar sobre uma subespécie desse mesmo tabu, que as pessoas imaginam não se quebra e que se refere à expressão dos sentimentos mais bonitos, reais e verdadeiros, através do sexo, praticado naturalmente pelas pessoas portadoras de quaisquer graus de deficiência física, quer sejam: os paraplégicos, os deficientes visuais, os que utilizam sapatos ortopédicos de quaisquer tipos, lentes de contato, dentaduras, perucas, óculos, órteses e próteses de outros gêneros, enfim, reporto-me, ainda, à gama infinita de situações físicas peculiares que não impedem essa natural expressão de vida terrena, própria aos seres vivos do planeta, para sua reprodução, bem como reprodução do amor, dia após dia, desde o início da vida, resumindo a real vitalidade em todas as suas concepções.

Restrinjo um pouco o assunto atividade sexual, para não enveredar pelas ruas tortuosas da polêmica, entendendo, aqui, por deficiência, aquela que atinge o corpo físico como um todo, ou a qualquer componente desse mesmo corpo físico, e que não incorre nas deficiências advindas da amplitude negativa da alma, ou do comportamento que negue qualquer princípio valorativo, social e/ou religioso, por bem diferentes do enfoque ora objetivado.

Irretocável e valiosíssimo, pois, o texto por você expresso, sob a ética do amor, que me permito comentar sob a luz de minha própria realidade, como paraplégica e cadeirante, aos 30 (trinta) anos de idade, que assim me tornei em função de um acidente automobilístico, numa das poucas vezes em que me vali de um táxi, sem que o motorista, que o dirigia, houvesse praticado qualquer infração, ou seja, aconteceu, na Av. Vinte e Três de Maio, às 13:00 horas, num dia do ano de 1980, e, em questão de segundos, espatifou a minha medula, seccionando-a; perfurou-me o pulmão e pleuras; causou hemorragia interna e me levou a um primeiro falso diagnóstico de óbito. Voltei a mim, fui atendida no Choque da Beneficência Portuguesa, um dos melhores da América Latina, haja vista que o acidente ocorreu quase em frente, e eis me aqui.

Nos momentos mais complicados do estado comatoso, um capítulo à parte que tenho buscado compreender através dos estudos cada vez mais profundos e cientificamente comprovados, referentes a EQM (Experiências de Quase Morte), lembro-me de pedir, fora do corpo, muito a Deus que me mantivesse viva, pois, à época dos fatos, casada há dois anos, com uma filhinha de 10 meses, argumentei com o Pai, talvez em oração, sobre a possibilidade, que Ele havia me permitido, de tê-la, de ser mãe, gerando-lhe, como se tecendo roupagem mágica, um corpo físico através de um grande amor realizado, e que se Ele me havia permitido tê-la que me permitisse, então, criá-la.

Lembro-me de vagar buscando, determinadamente, uma autorização para tal, e realmente a consegui. Vinte dias em coma absoluta se refizeram em VIDA e eu que adentrara o hospital em 10 de novembro de 1980, dele saí aos 20 de dezembro do mesmo ano, para poder comemorar o aniversário de meu pai, nesse mesmo dia, e o primeiro ano de nascimento de minha filha, presente de Natal, no dia 24 de dezembro de 1.979.

Meu marido, meu grande companheiro, desde então jamais me limitou à cadeira de rodas, transformando-a, muitas vezes em cadeira de rosas, e, ambos, a tornamos apenas um sapato diferente, que me tem permitido caminhar, desde então, participando da vida, repartindo potencialidades em aprendizado, rico de experiências e criatividade, de sorrisos, alegrias, questionamentos, enfrentamentos e amor, muito amor.

A primeira atitude racional, após a saída do Hospital, diante da análise, frente ao renascimento, foi reformar minha escala de valores e as metas profissionais, no auge da carreira, foram relegadas ao final da lista a serem retomadas, talvez, um dia, pois em primeiro lugar estava conhecer o que significava paraplegia, no dia a dia, como cuidar de minha filha, cuidar mesmo, em todos os sentidos, criando condições que, em outra oportunidade, retomarei o contar em história, fisioterapia, motorista particular e, de repente, eu que sofrera um acidente em mãos de terceiro, lá estava adaptando minha carteira de motorista, meu carro como extensão da cadeira de rodas, alargando minhas portas, minha vista, minha alma, e indo de encontro à VIDA, que eu agradecia, por haver pedido fosse mantida e aonde o pé não chegava a cadeira rodava, e onde ela não conseguia rodar, alguém a empurrava e quando nem mesmo empurrando se conseguia, eu ia no colo, mas ia.

Conheci a solidariedade dos transeuntes anônimos, em sem fim de pessoas incríveis, que me ajudaram, tantas vezes, pelas ruas e a quem agradeço todos os dias da minha vida, em prece especial. Aprendi que não somos ninguém sozinhos e que a vida é feita de soma, até quando dividimos.

Após sete anos de vida conjugal, plena, a lição conquistada esteve em observar e perceber que, muitas vezes, na relação sexual, a criatividade é fator preponderante, para o enriquecimento do prazer, dação, entrega, cumplicidade, expansão, compreensão, afago, ternura, amor em potencial, respeito e realização duplamente conquistada, em ritmo comum que se constrói para tal finalidade, transformando-se numa arte a ser expressa com as tintas e matizes mais bonitos de um verdadeiro vincular-se amoroso, que no meu caso, eclodiu, então, de maneira felicíssima, em gravidez.

De alto risco diziam alguns, como? - perguntavam outros, o certo é que foram nove meses de absoluta saúde em vida normal de atividades.

Só posso comprovar que, na hora do parto, eu soube exatamente o tempo de minhas contrações, através da pulsação, regularmente decrescente em minutos, na região do pescoço. O normal é não percebê-la, diante da concentração de dor na altura do útero. Mais uma vez o corpo respondeu, até pela paraplegia, de forma diferente da normalmente conhecida, suprindo a necessária atuação frente à vida, tanto quanto supre o desejo de nos realizarmos, em termos de expressão.

Assim nasceu o Tiago, explosão de amor perfeito, que se apresenta, em meu ventre, na foto a ilustrar essa nossa conversa, agora, já, com 22 anos de idade e a Graziela, minha primeira motivação de amor absolutamente eficaz, para pedir a Ele que me mantivesse viva, está com 29 anos de idade e casada.

Ele deu-me a mais linda resposta que poderia, eu não criaria apenas uma filha e sim dois filhos.

Valeu, por cada expressão de amor extravasada até pelo menor dos poros existentes em meu corpo, movida pela alma, e aceita por mim e pelo meu querido companheiro.

Que o seu texto, Genaura, realmente produza, ad eternum, o mesmo efeito, em tantos quanto estejam buscando parâmetros, para viver suas diferenças, pois, nós, por tudo o que pude conhecer de você, através de seus escritos, tivemos que criá-los, na força, garra, coragem, amor e fé, decorrentes do mais amplo e absoluto sentido do amor.

Márcia Vilarinho
18/09/2009

6 comentários:

  1. Amiga, querida, acredito que choramos juntas. Eu ao ler e vc ao escrever.
    Obrigada muito pelo carinho.
    O mesmo devoto a vc.
    Somos companheiras do mesmo vagão, excursionando por essa existência.
    Doeu-me muito o seu relato,
    e fiz minhas as suas saudades,
    as suas dores...
    São essas as ferramentas,
    com as quais deixaremos fincados na memória,
    os marcos que escreverão a nossa história, legados para a posteridade.
    A vida não erra!
    Olha que presentes vc ganhou!
    A estampa do filho já é um poema pronto.
    Vê-se a alma e coração desnudados em afeto ali ao seu lado.
    Não sou referência de nada.
    É que vc me vê com os seus olhos.
    Sou apenas uma guerreira
    e não me quedo à frente da trincheira.
    Avanço sempre.
    Este é o meu lema!
    Beijo grandão da
    Genaura Tormin

    ResponderExcluir
  2. Marcia,
    fiquei muito emocionada com seu relato.Durante todos este anos, venho acompanhando hora de perto, hora de longe suas vivências.
    Você é uma guerreira.A prova viva do que é viver, acreditar,lutar e por fim vencer.
    Sinto-me orgulhosa de ter vivenciado alguns capítulos dessa sua história.
    Quando por várias vezes fiquei , ouvindo atrás da porta, enquanto você estava no trabalho, se a Grazi, estava bem e depois segurando a mão do Tiago a dar seu primeiro pulo, do banco de jardim,mostrando toda sua energia de garoto.
    Mas lembre-se querida "irmã", esta história não terminou, muitos outros capítulos virão.e conte sempre comigo.
    beijos
    Lucia

    ResponderExcluir
  3. Marcia,
    me lembrei de uam frase de Antoine de Saint-Exupéry;
    O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino.

    beijos
    Lucia

    ResponderExcluir
  4. Ola Marcia,
    seu blog nao poderia ser diferene sendo esta pessoa sensivel e forte ao mesmo tempo que vc é.
    Ele veio enriquecer ainda mais este meio de comunicação tão atual, onde em seus textos, vc celebra a vida plenamente e que nos contagia.
    Tive a oportunidade de conviver toda a minha infancia e juventude ao lado do nosso querido Carlos e durante a "viagem da vida" desci em uma das estações para viver meus sonhos e escrever minha história, me distanciando da convivencia de voces produzindo em mim muita saudade... Quem sabe agora, já acomodados os desejos de ganhar o mundo, possamos nos rever e fortalecer o lado familiar que forçou nosso encontro.
    Desejo a voce e a familia linda que vc construiu muita luz, para que todos possam ver essa força e esse amor incondicional.
    Grande beijo da prima Lilly Lopes

    ResponderExcluir
  5. Márcia,

    Adorei!
    Você sabe que sempre fui uma grande fã de seus escritos. Refiro-me a aqueles que você compartilhava conosco na nossa época de juventude.
    Devo lhe dizer, minha querida amiga, que as lembranças de há tanto tempo atrás se confirmam através de seu blog. São sentimentos muito fortes que você tão bem sabe expressar e que, apesar de tão pouco nos vermos, me sinto muito perto de você.
    Você é um exemplo de vida.
    Um grande beijo,
    Leda
    p.s. Mas não deixe de lado aquele seu tom mais matreiro, mais satírico, tá?

    ResponderExcluir
  6. Com simplicidade e humildade, sem ostentação se fez conhecer melhor neste espaço...
    Mostrou mais e melhor as suas capacidades e os seus valores pessoais.
    Obrigada por existir!
    Receba agora e sempre muito amor!
    Sandra K

    ResponderExcluir

Deixe seu comentario. Ele é muito importante para este blog poder crescer.