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29 setembro 2013

A lenda


Nasceram juntos, num mesmo dia, há muitos e muitos anos, na terra, humanizados e donos de especial junção, o Sol e a Lua.
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 Dizem que, então, o Sol feito homem deus, com medo do amor da Lua, guardou no sótão do tempo todo o seu potencial de sentimentos, embaixo de um tapete magicamente bordado, em que fincou poderosos pregos de aço. Fechou as janelas do sótão, trancou com chave própria as portas invioláveis do tempo e a perdeu nas neves do Himalaia. E tão alto subiu que nunca mais desceu à terra. Desde então passou a contar apenas com o seu brilho próprio, sozinho no espaço, a iluminar os dias, no planeta abandonado, desde os cimos a procurar a chave perdida e por mais que lhe tenha sido concedido o poder de derreter a neve, não mais a encontrou.
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Dizem, mais, que a Lua, então, chorosa sem qualquer temor, em coração aberto, passou a sentir o frio gélido da distância, perdendo aos poucos praticamente todo o seu brilho e volitou procurando um pouco de luz e calor, e tão alto subiu, que à terra nunca mais voltou e desde então recebe apenas o generoso reflexo da luz do sol sobre seu corpo inerte, para vencer a escuridão que a tomou, e com os olhos baixos pelos vulcões da terra e nas fogueiras que se acendem ao longe, a identificação do fogo que arde em seu coração, a faz magia e animus para os poetas, e mesmo nas luzes de neon ainda que sejam as cores desmaiadas da amizade, reflete as sombras de todos os seus vãos mistérios.
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E diz a lenda que assim permanecerão mudos e distantes até o dia em que as portas do tempo consigam ser abertas para que o sol baixando à terra ao reproduzir sobre a lua a sua generosa e emprestada luz seja capaz de fazer com que ela o siga, e, então, voltarão a ser humanizados nos rincões da terra, dentro de uma nova evolução.
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E nesse dia, talvez, os terráqueos tenham se mudado para o espaço....
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Márcia Fernandes Vilarinho Lopes
Da série "Distâncias"

24 setembro 2013

Pés descalços e alma nua


O negrume do céu
Em convulsivo pranto
Chora nas lágrimas da chuva
O açoite do vento
E da minha janela de vidro
Vejo esparsas luzes
Que avançam
Na prorrogação dos dias
Madrugada adentro
E no silêncio intenso
Uma oração
Em que somente peço
Que nunca se afastem
Os virtuais amigos
Que me conhecendo a alma
Abraçam-me e enlaçam-me
Em estrofes e em versos
Na força etérea da poesia
Que aquece a vida
E ilumina a sorte
Já que muitos
Há muito se foram
Ou sequer chegaram
Sem saber
Sem perceber
Sem anotar
Que meus pés descalços
E alma nua
Não são percalços
São tão inteiramente
E apenas... eu
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Márcia Fernandes Vilarinho Lopes
Da série "Pedaços d'alma"
 

19 setembro 2013

Plenitude

E num lampejo
Encontro-me com o nada
Sem horários
Sem trabalho
Com tempo para o espelho
E reflito
E me reflito
E sei que assim é o amor
Você se vê
Você se reflete
Um é o espelho do outro
E então
Do nada ao tudo
Eu corro ao seu encontro
Com tempo
Sem relógio
Despida de qualquer atalho
E você me recebe
Plena imagem
Do seu ser
E nada nos separa
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Márcia Fa. Vilarinho Lopes
Da série "Retratos d'alma"

18 setembro 2013

Imutáveis reticências


Amanhece...
Sou
 Somente olhos
Fixados no azul
Do céu no mar
Entre a areia
E o horizonte
Translúcidas
Possibilidades
Infinitas
Em passeio
Extraordinário
Do meu eu
Em mim
.
De repente
Anoitece...
Assim bem perto
De ver
Perdido no azul
Tão náufrago
Fugidio ser
Pra sempre...
Num submarino
Cinza chumbo
A navegar
Pelo fundo do mar
Sem olhos
De  ver e de olhar
.
Amanhece...
Novamente acontece
E ainda sou
Olhos a deter
O azul do céu
Espelhado
Na imensidão do mar
Entre o horizonte
E a areia
Translúcido
Nas possibilidades
Assim infinitas
Permanentemente
Reticentes
Em mim...
 .
Márcia Fernandes Vilarinho Lopes
Da série "Retratos d'alma"

01 setembro 2013

Sob os olhares do tempo

Depois do inverno
Recalcitrante
Não há mais jeito
A primavera
Fênix do outono
Em primazia
Reviveu assim
No inverno
De hibernadas cores
E das trilhas
Unificada a vida
Re unidos
Após tantos anos
Parados
Na bifurcação da rota
Gris em blue
Vamos agora nós
Sorrindo
Na intersecção
Do ser
Sob os olhares do tempo
.
Márcia Fernandes Vilarinho Lopes
Da série “Gris em blue”