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29 outubro 2009

Tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento?


Ontem, num estacionamento, formado apenas por vagas devidamente sinalizadas para pessoas portadoras de deficiência física, encontrei me, eu, com uma alma encarnada, por certo, como a maioria de nós, em tarefa árdua neste planetinha, e em sugestiva síndrome de tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Ao chegar ao local, habilitada por minha paraplegia, resultante de um ato de terceiro imprudentemente imperito e negligente, com o meu veículo devidamente catalogado pelo símbolo internacional de acesso afixado, um em cada um dos seis locais por mim estrategicamente escolhidos nas janelas e parabrisa, cumprindo a determinação da lei, até com exagero, para não constranger os que tenham problemas de visão, encontrei as referidas vagas ocupadas por veículos sem qualquer identificação que os habilitasse para tal, como sempre.

Olhei para um segurança e ele me fez sinal para que procurasse outro lugar e, de fato chovia, assim, literalmente, empaquei onde estava, na sincera intenção de esperar até que uma das vagas pudesse ser ocupada por mim, pois não teria condições de parar além.

Nisso um senhor de relativa idade, com um sorriso especial, saiu lá de dentro e me disse, pelo vidro entreaberto, vou tirar o meu carro já e a senhora pode ocupar a vaga, e assim o fez com agilidade moral e física incríveis.

Tratei então de estacionar, agradecida à delicadeza da postura, sem questionamentos maiores até por força dessa mesma delicadeza.


E como abrir a porta com espaço suficiente para colocar a cadeira de rodas, se o veículo ao lado havia estacionado de forma indevida, impensada e obviamente a revelar o desconhecimento da necessidade de um cadeirante, ou, até de alguém sob o uso de muletas, pelo espaço que necessitam para poderem andar com seus sapatos diferentes?

Nisso eis que chega uma bonita senhora, sem qualquer deficiência física. A essas alturas já estava devidamente atrasada para o meu compromisso, mas ainda confiante de que lograria êxito em descer e "rodar".

Olhei fixamente para a motorista e nada! Ela esperava alguém. Continuei olhando e o olhar fala, porque é a alma que através dele se expressa e a minha alma naquele momento falava da limitação ampliada e da tristeza que isso causava. Estava comigo uma amiga que, desde que eu estacionara, já estava com a cadeira a postos, mas sem espaço para entrar com ela até a porta do motorista, onde eu seguia encurralada.

A senhora, dentro de seu veículo, procurava algo, mexia na bolsa e, após tantos minutos, resolveu dirigir-me o olhar e um trejeito sugestivo de sorriso, apontando-me um senhor que havia já há algum tempo ajudado minha amiga a retirar a cadeira de rodas do porta malas do carro. Não tive a menor vontade de retribuir-lhe o que entendi ser aparente sorriso.

Um senhor simpático, com o olhar bondoso, atendeu-lhe o chamado. Quando ele entrou no carro, andando normalmente, sorriu-me, atencioso, e ela disse mostre, mostre, mostre a sua perna para ela ver que você também é deficiente. Ele de maneira educada disse, que é isso? Ela está me olhando desde que eu entrei no carro, disse ela. Eu vou demorar pra sair. E o Senhor pedia, cada vez em tom mais baixo, para que ela parasse.

Não satisfeita e sem perceber que o meu vidro estava entreaberto disse, de dentro do carro . “É uma mal comida”. Não resisti e respondi em tom calmo e alcançável,apenas, aos seus ouvidos, já que, embaixo de garoa, os carros estavam lado a lado. "Não senhora, apenas paraplégica", por entender que não estaria, por certo, a concorrer quanto à expressão de minha feminilidade, pois apenas aguardava para poder utilizar um espaço determinado por lei, para o qual preencho uma condição prevista, apenas isso.

Fiquei sem saber se aquele simpático senhor era ou não portador de alguma deficiência física. Desci do carro assim que o espaço necessário se fez, atendi ao compromisso que me aguardava, e enquanto retornava concluí que não podemos ser, realmente, preconceituosos, menos ainda egoístas, pois se as vagas existentes, por força de lei, são para deficientes, parece-me que estão faltando, apenas, alguns adesivos especiais para identificar os veículos de pessoas, aparentemente, portadoras de tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Ao chegar próximo ao carro, vejo saindo, da mesma vaga outrora ocupada, uma linda jovem, longos cabelos, absolutamente normal fisicamente, destravando a porta de seu carro ali sob ilegal descanso, sem se preocupar com absolutamente nada que não fosse a sua própria pessoa.

Inauguro aqui, pois, por consequente, a campanha para a inclusão social das pessoas assim limitadas, com o pedido de que sejam criativos, os fabricantes, para os adesivos identificadores dessa modalidade especial de anomalia, ora, simbolicamente, por mim, referida por tetraplegia moral, momentânea, de profundo comprometimento.

Qualquer semelhança com o que se vê no dia a dia, em todos os locais em que se delimitam vagas para portadores de deficiência, não é mera coincidência, conforme se pode constatar também nos vídeos, exibidos no Youtube, com denúncias, ao lado inseridos.

Por que tanto desrespeito?

Criado e postado por
Márcia Vilarinho
28/10/2009

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Tetraplegia
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Moralidade

26 outubro 2009

Quanto aos vídeos colocados na lateral direita



Quanto aos vídeos colocados na lateral direita, informo que é preciso esperar um pouquinho para que entrem aqueles pertinentes ao texto (são 04 jogos, contendo O4 vídeos em cada tema), pois por algum motivo aparece sempre um que é apenas mostra de vídeo mais visto no Youtube. Coloque o mouse sobre cada tela e vc saberá o tema a que se refere. Abraços e obrigada pela visita, sejam sempre bem vindos. Márcia

23 outubro 2009

Metamorfose do pré-conceito


Quero hoje iniciar abordagem direcionada ao que entendo significa pré-conceito, não com base no dicionário, mas na reflexão a que a vida nos leva. Como já tive a oportunidade de ressaltar, a vida terrena me parece ser a metamorfose da alma, através das várias viagens etéreas que fazemos entre a pátria original e as diferentes estações de aprendizado e aperfeiçoamento, dessa mesma alma, espalhadas pelo Universo. Somos, pois, viajantes itinerantes. Chegamos ao planeta terra e o que é o nosso corpo senão limite? Nossa alma necessita desse limite físico, formado de matéria própria para a vivência pontuada por essa mesma espécie de matéria. Temos, no entanto, o sono todas as noites, que nada mais é que a porta de entrada para o etéreo, alcançando, por ele, cada qual a latitude e plenitude capaz pelo maior ou menor apego ao planeta e aos seus bens patrimoniais físicos, de primeiro quilate em beleza.

Imaginemos na orla do mar, noite afora, e talvez alguns de nós até possam ver, vários e vários seres desprovidos do invólucro carnal, a ele ligados apenas por um cordão prateado, e chegando em patamares de diferentes energias, para buscar ou prestar socorro energético em escolas, hospitais, departamentos de assistências várias, enfim em toda gama de verdadeiras cidadelas munidas de infra-estruturas compatíveis com suas localizações e objetivos.

Referi-me à orla do mar porque ali se refazem muitos dos doentes, pelo iodo, e já sabemos que a doença não passa de expressão repetitiva ou fixa de uma ou mais feridas pretéritas na alma, que vem justamente, pela reencarnação, buscar o remédio, que se resume em estudo e aprendizado de sua matéria “curricular” deficitária.

Assim senhores, com muito amor, nenhum de nós aqui chegou como turista privilegiado e sim como lapidador de sua própria gema, no seu polimento necessário, como verdadeira pedra valiosa.

Não há almas cegas, nem deficientes físicas, nem míopes, nem com seqüelas de pólio, nem esquizofrênicas, loucas de qualquer espécie ou com um sem fim de expressões corporais deficitárias. Compreendi, nesse meu caminho de eterna aprendiz, que o corpo apenas expressa, de forma tão limitada quanto ele próprio o é, as feridas da alma.

Para que nos serviria a vida, na riqueza de aprendizado a que somos submetidos, se não fosse para podermos transmitir ou retransmitir o que, de real, conseguimos assimilar dessa escola incrível, mantendo a capacidade de amor viva a cada novo dia, na soma que a troca nos situa como elos de uma só corrente, chamada humanidade.

Entendo mais, ainda, que pré-conceito não é apenas o desconhecimento, por falta da necessária observação, estudo e reflexão, quanto a sexo, raça, credo, estado físico ou cor, mas, sobretudo, conceito pré e falsamente formado quanto ao que estigmatiza uma pessoa, por diferenças sem que se prepondere suas qualidades ou suas dificuldades, de maneira própria e específica, e não genérica à luz do próprio eu.

Trouxe, portanto, um dos professores mais especiais e queridos para deixar, aqui, posto, o respeito pela dignidade de cada um de nós, enquanto seres defeituosos em nossas almas, que detêm, no corpo, o aparelho tutor para suas andanças necessárias à busca da também necessária cura para o ato imperito e pretérito que lhe provocou o ferimento n’alma.

Que voz poderá se levantar para julgar, portanto, cada um de nós, como diferentes, deficientes ou carentes de conhecimento? Talvez por isso Jesus haja dito:- “Que atire a primeira pedra o que estiver sem pecado”.

Não fiquemos, pois, nos pré-conceitos, vamos ao estudo e à reflexão, com alegria, pois esses sim são capazes de nos fazer dignos de construir a verdadeira humanidade.

Encontrei belíssimo tema, que nos fala ao coração e à mente, porque não importa se cadeirante, ou portador de qualquer outra deficiência, ou não, o princípio da necessária metamorfose não está no casulo da borboleta e sim no seu próprio vôo, e a todos nós, tão deficientes, não deve importar que tipo de expressão, em nós, está a contrariar os padrões postos por um ciclo histórico social, tão limitante e limitado quanto o próprio corpo.

Não estou aqui a defender quaisquer bandeiras que não sejam as que derivem de uma história de muito além, que por não a conhecermos, pelo dom do esquecimento, jamais nos permitirá julgar, mais ainda porque nosso destino, acima de qualquer outro, é a estação do amor.

Justamente, pois, pelo momento em que vivemos, observando a mutação de valores e, sobretudo, as diferentes formas de expressão de amor que surgem entre muitos jovens e não jovens, que, por certo, algo têm a aprender ou a ensinar com isso, é que à leitura dos sinais exteriorizados ainda não podemos e nem devemos concluir.

Fiquemos, pois, com Chico Xavier, que assim nos ensinou:
"Não vejo pessoalmente qualquer motivo para criticas destrutivas e sarcasmos incompreensíveis para com nossos irmãos e irmãs portadores de tendências homossexuais, a nosso ver, claramente iguais às tendências heterossexuais que assinalam a maioria das criaturas humanas. Em minhas noções de dignidade do espírito, não consigo entender porque razão esse ou aquele preconceito social impediria certo numero de pessoas de trabalhar e de serem úteis à vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do berço características psicológicas e fisiológicas diferentes da maioria.”

”Nunca vi mães e pais, conscientes da elevada missão que a Divina Providência lhes delega, desprezarem um filho porque haja nascido cego ou mutilado. Seria humana e justa nossa conduta em padrões de menosprezo e desconsideração, perante nossos irmãos que nascem com dificuldades psicológicas?" (Publicada no Jornal Folha Espírita do mês de Março de 1984).

E quando perguntado como se explica o homossexualismo à luz da Doutrina Espírita, disse: "
Temos tido alguns entendimentos com espíritos amigos, notadamente com Emmanuel a esse respeito. O homossexualismo, tanto quanto a bissexualidade ou bissexualismo, como assexualidade, são condições da alma humana. Não devem ser interpretados como fenômenos espantosos, como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade. Tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito e acreditamos que o comportamento sexual da humanidade sofrerá, no futuro, revisões muito grandes, porque nós vamos catalogar do ponto de vista da Ciência todos aqueles que podem cooperar na procriação e todos aqueles que estão numa condição de esterilidade. A criatura humana não é só chamada à fecundidade física, mas também à fecundidade espiritual.Quando geramos filhos, através da sexualidade dita normal, somos chamados, também, à fecundidade espiritual, transmitindo aos nossos filhos os valores do espírito de que sejamos portadores."

"Não nos referimos aqui aos problemas do desequilíbrio, nem aos problemas da chamada viciação nas relações humanas. Estamos nos referindo a condições da personalidade humana reencarnada, muitas vezes portadora de conflitos que dizem respeito seja à sua condição de alma em prova ou à sua condição de criatura em tarefa específica. De modo que o assunto merecerá muito estudo. Nós temos um problema em matéria de sexo na humanidade que precisaríamos considerar com bastante segurança e respeito recíproco.Vamos dizer: se as potências do homem na visão, na audição, nos recursos imensos do cérebro, nos recursos gustativos, nas mãos, na tactividade com que as mãos executam trabalhos manuais, nos pés, se todas essas potências foram dadas ao homem para a educação, para o rendimento no bem, isto é, potências consagradas ao bem e à luz, em nome de Deus, seria o sexo em suas várias manifestações sentenciado às trevas?" (Entrevista concedia à extinta Rede Tupi de Televisão, São Paulo, ao programa "Pinga Fogo", em 28 de julho de 1971).

Postado e criado por Márcia Vilarinho
Textos de Chico Xavier, transcritos.
São Paulo (SP), 23/10/2009

19 outubro 2009

Metamorfose da chatice


Já começa, o dia, pelo barulho irritante do relógio, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, num crescendo vertiginoso, tomando o dia todo e todo dia também.

Pra completar, chove, não aquela chuva gostosa que nos faz pensar em dormir, aquela chuva horrorosa bem no dia em que você precisa sair e cumprir 24 compromissos, um por hora, sem dormir.

Trânsito, buzinas, carros, sirenes, motos, um montão de motos, muitas motos, mais motos, horário, não vai dar tempo, cheguei, não cheguei, fui, vi e não resolvi...

Caramba! Não almocei, não lanchei, me consumi e, mesmo assim, não assumi a metamorfose do eu, do meu, do sou e do estou.

Chega, chega, chegaaaaaaaaaaa, não quero mais essa rotina insana em que tudo é afazama.

Daqui pra frente apenas o tic, tac, do meu coração, que pulsa e regurgita vida, será o único relógio e também meu guia.

Quero fazer do dia apenas alegria e cores e sorvetes, ainda que em dias de frio, e risos e poesia.

Quero ovo frito, arroz saindo do fogo, na panela bem quente, batata palha feita em casa e salsicha.

De sobremesa, lanche e jantar eu quero bolo de chocolate, brigadeiro e marzipan.

Vou realizar minhas tarefas, quando tudo estiver calmo, em silêncio.

À noite de preferência, pra não perder o dia, o sol, no parto do renascer.

Mas só depois, que meu ser puder expirar, transpirar e recolher amor, aquele mais que verdadeiro.

Feito do fogo que enebria, sem ser eterno, ou repetido, exigido, cobrado, chato.

Quero-o infinito no minuto em que dure, esfuziante e pleno, meio etéreo, de preferência em tons de ouro sobre azul, que é a cor de todos os poetas.

Quero ser harpa e até violoncelo, compondo uma nova sinfonia a cada êxtase.

Romantismo sempre em voga, sempre, com tantos carinhos quanto risos e sorrisos magia em estertor.

Flores, perfumes, velas, penumbra, música, água, o som de água, o mar, talvez.

Que o telefone não toque e que eu crie em cada dia um novo plano pleno.

Que nas manhãs eu possa ser meiguice e calmaria quando espreguice.


E não vou ser, por enquanto, apenas avó precoce.

Porque estará sempre em mim o ser em apoteose.

Já que há tempo pra tudo, pra florir, semear e colher.
E o perfume existe em todas as estações do ano.

E aesse perfume é o que chamo minha alma de mulher.

Que eu faça da vida, nas manhãs, uma metamorfose eterna.

Transformando toda e qualquer chatice em estrela vésper.

Luminosa a bailar única no céu sem luar e escondida no dia a dia.

Num canto com encanto repleto de pleno e total mistério, porque
sou o que desejo e o que desejo é ser o que exatamente sou.

Criado e postado por
Márcia Vilarinho
19/10/2009

14 outubro 2009

Saúde Mental - Rubem Alves (transcrito)























Recebi o texto, abaixo, com a anotação " genial" e, de fato o é, por isso vai postado, como alimento para a metamorfose, em forma de madrigal especial.

Considerando, como considero, que a vida terrena é o casulo em que se opera a metamorfose da alma, as observações postas por Rubem Alves, representam, ainda, condições de ligação direta entre o casulo, a alma e a metamorfose dos eternos aprendizes, que somos todos nós.

"Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico. Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, dentro do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakovski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, previsíveis, sempre iguais, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é uma coisa muito perigosa...

Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas. Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todos sabem, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente 'equipamento duro', e a outra se denomina software, 'equipamento macio'.

O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades 'espirituais' - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória.

Do mesmo jeito, como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo 'espirituais', e o programa mais importante é a linguagem. Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco faz-se necessário chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas. Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios (o hardware) tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou.

Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente contra-indicados. Já o rock pode ser tomado à vontade.Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato. Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é.

E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, só então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram".

Rubem Alves



Texto transcrito, postado por Márcia Vilarinho
14/10/2009



10 outubro 2009

Desde lejos en el tiempo


En el contador de visitantes, deste blog, está la bandera de Argentina y dentre los amigos, como no podria ser diferente, estás vos, con tu espírito simples y bién humorado siempre. En tu tierra estuvimos, tantas veces, en epocas en que mis pies aún caminavan y nunca estuvimos solos, porque vos, como nuestro verdadero angel de la guardia, para todas las partes nos llevavas.

De mis viajes hacia allá, no olvidare, entre tantos, el viejo Tortone, la Feria de Santelmo, donde en cada canto en que surgia un sonido de flauta andina yo lo buscava y allá me quedava, tanto me facinava.Hemos vivido, Carlos y yo, hermosos momentos inolvidables, para siempre, en Argentina. La última vez, enfin, em que estuve en Bs As, ya estava viuda y en la silla de ruedas.

Elegi, asi, esto texto para hacer un homenajen a la "paz global" con la posible y duradoura amistad entre tanta jente de tantos países distintos en sus maneras própias de ser.

Traigo la musica que hermana, por medio de Mercedes Sosa, esa cantante, que tanto me gusta y que la puse en los vídeos al lado, donde para cada una de las cuatro canciones ofrecidas hay quatro maneras distintas de presentaciones.

Aúnque, ora muerta, y eso me entristecio mucho, pienso que ella no murirá yamás en sus composiciones.

La
gran reflexión que obtengo de todo eso es que, estando los amigos cerca o lejos de nosostros, cada cual es como si fuera un verdadero "país", tan grande son las peculiaridades y dinamica de cada persona.

Dejo, por imortal, la letra de “Gracias a la vida”, una composición de Violeta Parra.A Diós yo agradesco por la oportunidad de todas mis vidas, con la felicidad de encuentrar amigos tan especiales y queridos desde el dia de mi primer nacimiento y de mis “renacimientos”.


Asi:
Gracias a la vida, que me ha dado tanto

Me dió dos luceros que cuando los abro

Perfecto distingo lo negro del blanco

Y en alto cielo su fondo estrellado

Y en las multitudes el hombre que yo amo

Gracias a la vida, que me ha dado tanto

Me ha dado el oído, que en todo su ancho

Traba noche y dia grillos y canarios

Martirios, turbinas, ladridos, chubascos

Y la voz tan tierna de mi bien amado

Gracias a la vida, que me ha dado tanto

Me ha dado el sonido y el abecedário

Con él las palabras que pienso y declaro

Madre, amigo, hermano y luz alumbrando

La ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida,que me ha dado tanto

Me ha dado la marcha de mis pies cansados

Con ellos anduve ciudades y charcos

Playas y desiertos, montañas y llanos

Y la casa tuya, tu calle y tu pátio

Gracias a la vida, que me ha dado tanto

Me dió el corazón que agita su marco

Cuando miro el fruto del cerebro humano

Cuando miro el bueno tan lejos del malo

Cuando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida, que me ha dado tanto

Me ha dado la risa y me ha dado el llanto

Así yo distingo dicha de quebranto

Los dos materiales que forman mi canto

Y el canto de ustedes que es el mismo canto

Y el canto de todos que es mi propio canto

Gracias a la vida

Márcia Vilarinho
10-10-2009

08 outubro 2009

Descoberta de um espectro


I



Caminhante noturna
Sozinha e tão triste
Para onde caminhas
No rumo das estrelas
O pó da estrada
Encobre tua face
Nubla teus olhos
Envenena tua alma.


II
Caminhante noturna
Por véu embuçada
Silhueta alquebrada
Queda e insensata
Na noite vazia
No sonho agonia
Caminhante sou eu.


Márcia Vilarinho
20/06/69


PS: Essa descoberta poética, em mim, na figura de um espectro, deveu-se à primeira desilusão amorosa, que foi lição valiosa, em que aprendi, na prática, que nada acontece por acaso, pois se o casamento houvesse se dado, então naquele momento, eu não teria conhecido o verdadeiro companheiro, que suportou galhardamente as intempéries do tempo e a fúria do vento, com a força do amor.

01 outubro 2009

O primeiro retorno










Quando me dei conta havia retornado ao corpo e ninguém precisou me dizer que não andaria mais, pois não sentia minhas pernas e sabia, conscientemente eu sabia, a alegria que me invadia era o fato de estar viva e essa era, até então, a grande primeira conquista.

Ao receber, de repente e surpreendentemente, a carta de alforria que me permitiria sair da UTI, um grande e querido amigo, irmão daqueles que a vida engravida e nos dá de presente, que do lado de lá da porta de vidro, finalmente iria conseguir entrar para me visitar, soube que assim o faria já no quarto, pois terminara minha estadia no choque, ou UTI, ou "meio cá e meio lá" no etéreo. Era verdade, eu vivia, e ele, num gesto rápido, conseguiu o maior buquê de rosas vermelhas que até então eu vira e quando a maca saiu triunfante, daquele espaço de revitalização e morte, me vi surpreendida pela dupla beleza das flores orvalhadas pelas gotas daquela terna amizade, a me receberem em nome da perfeita beleza da natureza e humana acopladas como deve ser.

Talvez tenha lido no ar, na energia, na empatia, a sede que eu tinha e que sentia por respirar o ar lá fora, mundo terreno, natureza, pessoas, burburinho, entorno, rodas, maca, destino vida.

Meu amigo, tão especial, foi a minha amiga irmã casada com você que, em outra oportunidade, como se eu fosse criança, me ajudou a jantar, após uma das anestesias do “sei lá pra que que foi”, em homenagem ao mais perfeito “português”.

Aí vocês realmente mudaram de casa, saíram do meu coração onde residiam e vieram morar na minha alma, eternamente.

Foi esse um dos momentos mágicos em que revi, feliz, o rosto firme de minha mãe e norte, mãe e norte, então, da minha filha também, meu pai, querido pai, minha irmã tão dedicada a tudo e a todos nós, meu cunhado com seu incrível texto-cartaz, minhas amigas de infância e da Faculdade, minha amiga especial psicóloga, por fim, meu marido, em porto de emoção maior, além de cada um dos amigos, companheiros de trabalho e parentes, por quem me senti aconchegada em manta de carinho, a suavizar a dor do corpo, onde os ossos não queriam sorrir de jeito algum, pelo menos naquele momento, não.

Faltava, alguém, faltava, eu queria muito abraçá-la e beijá-la, filha, e a direção do Hospital permitiu.

Seu pai foi "buscar você" e pedi que trouxesse também a sua comida, precisava alimentá-la, precisava interagir, precisava retomar a maternidade, a ligação, o elo, e quando você entrou por aquela porta, dando já pequenos passos, vestida de beleza, de mãos dadas com seu pai, você estava tão diferente de como a havia deixado há 45 dias, e a coloquei, com quase um ano de idade, sobre meu colo e brinquei e rimos e lhe dei o jantar, contando historinhas como fazia sempre, até que a emoção tomou conta do espaço externo e interno que havia em mim e então pedi para que vocês saíssem, para não explodir em mar.

A noite se fez, as pessoas se foram, de maneira diferente do que até então, esperançosas e serenas pela grande troca de energias, orações, afeto, vibrações e fé, em que a locomotiva da vida havia retornado à estação de espera.

Ficamos, filha, seu pai e eu. Ali redefinimos nosso pacto de amor e compromisso, pois as pernas haviam quedado inertes, mas os braços não, portanto cada qual com um dos remos a tocar para frente o nosso pequeno grande barco.E quando ele me abraçou, olhando para a quina da parede bege, sete anos antes, tenho certeza, meu filho que o vi, sorrindo e pleno de contentamento esparramando vida, sorrateiramente em corpo de luz, futura fagulha forjada no além, onde acredito recém havíamos nos encontrado.

Os olhos se fecharam, então, depois de muito tempo, enfim dormia, tendo ao lado o marido sofrido, resgatado em amor. Assim a vida, finalmente, reacenderia, a seguir, a luz, em novo dia.

Márcia Vilarinho
30-09-2009